Eu acordei um dia e não
conseguia ver o sol.
Sabia que ele estava
lá, pois seu toque quente caia em minha pele, produzindo um incômodo palpável.
Vi as formas das sombras das casas e das pessoas sobre o chão, movendo-se,
mudando de aspecto, crescendo e diminuindo. Entretanto, não conseguia ver o sol.
Por vezes achei que as
luzes ultravioletas é que estivessem com defeito, ou que alguém as tivesse
roubado. Culpei quem entrasse em meu caminho por ter me roubado o sol, enquanto
eles me culpavam por não conseguir vê-lo. “Olha, está aqui, é só olhar!”, disseram.
Ao que tudo indicava, era eu que não queria ver, que não me esforçava, que
estava defeituosa e quebrada, disfuncional.
Até que eu compreendi
que estava incapaz de enxergar o sol. Sim, incapaz. Não adiantava me esforçar,
me dedicar, sair caminhar, pensar positivo, eu não iria vê-lo tão cedo, porque
algo dentro de mim estava errado, me impedindo de capturar as matizes douradas
da luz da grande estrela dos dias.
É fácil entender quando
alguém realmente não pode fazer algo que esteja ao alcance dos cincos sentidos.
Ver, ouvir, tatear, degustar, cheirar. É fácil se confranger da ausência de luz
do sol, quando ela é literal. Mas isso é uma metáfora.
Feliz um infelizmente.
Substitua “Luz do Sol”
por uma lista de sentimentos, afazeres, humores e tudo o que puder definir as
interações sociais. Substitua “Luz do Sol” por alegria, vida, entusiasmo,
esperança, sentido de viver, e releia o texto quantas vezes forem necessárias,
porque essa era a minha vida. Quando eu estava doente. Quando eu estava
incapaz. Quando eu estava deprimida.
Incapaz de reencontrar
meu sentido, de ter esperanças e de perceber o amor e o cuidado das pessoas ao
meu redor, eu me pequei vegetando em vida, considerando que não valia a pena
existir no mundo quando todos os problemas me perseguiam como monstros dotados
de garras pontudas, prontos para me ferir. Lembrava-me claramente dos meus
traumas, das coisas em que fracassei e das pessoas que me rejeitaram, e não
consegui ver os ganhos que tive, as boas lembranças, as pessoas que me amavam.
Por que o Monstro de voz gutural da depressão, estava minguando minha
capacidade de ver tudo isso, de ver a luz do sol.
Estou aqui escrevendo
esse texto hoje, porque eu venci a maior parte dos meus colapsos depressivos.
Há uma enorme diferença entre colapso e tristeza. Colapso é quando seu Eu
escorrega pelo vão dos seus dedos e você perde a noção de quem é você e quem é
sua doença. Passei por isso três vezes, e não foi fácil. Mas foi possível. E eu
digo que venci a maior parte porque eu sei que a traiçoeira depressão pode
voltar, e pode me pegar de diferentes formas.
Eu vou vencer cada uma
delas.
A
depressão é real; os transtornos de humor são reais. Ansiedade, pânico, fobias.
Nós
não podemos ver, porque eles não causam lesões, não estouram feridas, não são
visíveis a olho nu, como uma persa quebrada ou uma deficiência física. Talvez
por isso seja tão difícil para as pessoas entenderem que eles existem, e que
são tão severos e oferecem tanto risco à vida quanto uma doença viral,
bacteriana ou uma falha sistêmica do corpo.
Olhe
ao redor. Tem alguém incapaz de ver a luz do sol perto de você. As estatísticas
não mentem. Como qualquer outra doença, os transtornos psicológicos demandam
cuidado, afeto, apoio e tratamento médico. Você, que está saudável, pode
oferecer isso, pode dar as mãos à pessoa que você ama e ajudá-la a vencer esse
mal.
Ajudá-la
a ser a heroína da própria história e poder voltar a ver as cores.
Consegui
vencer um dos meus colapsos lendo livros e escrevendo um meu. Uma história
sobre uma garota com depressão que encontra na arte e no amor a saída para sua
Vilã Cinzenta (outra das minhas metáforas malucas). Nesse livro, usei o símbolo
da minha adolescência, a Libélula, para falar da capacidade que todos guardamos
de afugentar nossos fantasmas, sair do nosso exoesqueleto, ou casulo, e voar.
As asas da Libélula são maiores que sua prisão, e ela precisa quebrar a pele
dura para dar vazão à sua grandiosidade. Essa que, comprimida num espaço tão
pequeno, dói, lateja, mata e sufoca aos poucos. Uma vez que a Libélula consiga
fazer uma rachadura nesse compartimento, as asas começam a quebrar o restante.
E
ela vai voar. Alto, poderosa e grandiosa.
Costumo
dizer que todos nós, os que sofrem de algum transtorno psicológico, somos
libélulas procurando quebrar o casulo e voar. Podemos retornar para ele, mas
quando temos liberdade novamente, nossas asas ficam mais
e mais fortes.
Se
você conhece uma libélula, é hora de ajudá-la a encontrar o caminho da sua
liberdade.
Muitos
transtornos mentais têm cura, outros não, mas podemos controlar seus sintomas e
aprender a viver com eles. Busque ajuda, informação e tratamento adequados. É
hora de lotar esse mundo de Libélulas, de vencer os tabus sociais em torno dos
transtornos metais e encontrar formas de prevenir, tratar e acolher as pessoas
que estão sendo marginalizadas e julgadas por ele.
Eu
acredito que podemos vencer não só essas doenças, mas o preconceito e falta de
informação. Só depende de nós.
Abra
a sua mente e se permita ver o mundo sob os olhos de quem desaprendeu a ver o
sol.
Juliana
Daglio
Autora
de Uma Canção para a Libélula e O Lago Negro (série).
Formada em psicologia pela USC- Bauru
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