Como dia Silvo Santos: "Não sei se vou ou se fico; Não sei se fico ou se vou. Se vou não sei se eu fico, Se fico não sei se eu vou!"

Aí você tá falando com seu amigo como você queria ter dinheiro para comprar aquele tapete-despertador que só para de tocar quando você levanta e coloca seus pés em cima dele e quando você abre o Facebook ou Google lá estão dezenas de ofertas de tapetes-despertadores de zilhões de cores diferentes. "Mas eu nem procurei nada" você pensa, "eu tava só falando que queria" você diz, e aí um de vocês solta a frase que todos dizem nos últimos anos: "Cara, isso é muuuuito Black Mirror". Quem nunca passou por isso? Se você nunca na sua vida ouviu falar nada sobre essa série que ganhou o mundo depois que foi abraçada pela Netflix e ficou famosa por nos mostrar cenários pessimistas sobre nossa relação com a tecnologia - algumas vezes muito realistas e outras nem tanto - você dificilmente está sabendo desta ousada - será mesmo? - produção que é o nosso assunto de hoje. Mas mesmo se esse é o seu caso, a resenha hoje é, mais do que uma análise de qualidade, uma conversa sobre uma experiência de entretenimento e por isso acho que vale a pena você continuar lendo aqui junto comigo. Deixar de ler? Continuar lendo? A escolha é sua. O assunto hoje é o filme Black Mirror: Bandersnatch (2018).
Rapidamente: Black Mirror é uma série britânica iniciada em 2011 de poucos episódios por temporada, sendo cada episódio uma história fechada com começo, meio e fim. Além de atual e relevante, a maneira como suas histórias exploram a nossa relação com a tecnologia e os dilemas e problemas que isso pode causar fizeram dela um enorme sucesso - com 5 temporadas até o momento. Mantendo esta pegada, a serie dá um passo muito interessante ao lançar Bandersnatch como sendo a primeira proposta de filme interativo já feito. Durante o longa, somos apresentados a muitas escolhas que nós devemos tomar para definir o futuro do personagem principal, Stephen (Fionn Whitehead, protagonista do excelente Dunkirk, 2017, de Christopher Nolan). Algumas destas escolhas vão desde escolher o cereal que ele vai comer no café até matar ou não matar alguém.

Não vou perder tempo falando do enredo porque ele não interessa muito. A proposta de Bandersnatch é seu grande atrativo. O filme se vendeu como tendo múltiplos finais, dependendo das escolhas que o espectador fizesse. De escolha em escolha, sem parar, o longa tem uma duração comum de 90 minutos e a história, no fim, nem é tão interessante assim. Você não precisa ser o rei das probabilidades para perceber muito cedo que algumas escolhas são guiadas e se você não toma as decisões que o filme quer que você tome, ele te trás de volta até o ponto em que você desobedeceu e faz isso até você fazer o que é preciso. Inicialmente pode parecer frustante, sim. Você comprou a ideia de que o poder era seu e você decidia o que aconteceria, mas logo percebe que isso é uma ilusão. Os múltiplos finais que o filme vende não são verdadeiros. Há apenas três. Todavia, as maneiras de se chegar a estes três possíveis desfechos até que muda bastante e essa é a graça. No fim, fico  feliz em dizer que fiquei assistindo Bandersnatch por agradáveis TRÊS HORAS, legitimamente entretido e me divertindo, testando todos os caminhos possíveis e todas as alternativas que me cabiam. A história pode não ser isso tudo, mas se não podemos chamar isso de um entretenimento competente, então eu não sei o que é.

Eu vi muitas pessoas decepcionadas com Bandersnatch justamente por perceberem que o livre-arbítrio que o filme propõe ao espectador não é real. Ironicamente, é aí que eu vejo a genialidade nesta produção que soube usar a plataforma de streaming com maestria. A experiência cinematográfica que este filme nos apresenta jamais poderia ser feita no cinema ou na TV convencional. Bandersnatch só é possível porque hoje consumimos este conteúdo com o controle na mão, ligado à internet, ou no computador, ou no celular. A trama da obra dirigida por David Slade (de, pasmem, A Saga Crepúsculo: Eclipse, 2010!!!!) e escrita por Charlie Brooker (roteirista de quase toda a 5ª e pior temporada de Black Mirror e que aqui consegue surpreender pelo trabalho que este roteiro ramificado deve ter dado) trata da ilusão do livre-arbítrio quando narra a saga do protagonista na tentativa de criar um jogo onde o jogador escolhe seu próprio caminho. Stephen mergulha tão fundo nas infinitas possibilidades que começa a se questionar se ele é mesmo dono de suas próprias escolhas - e não é já que ele é apenas uma marionete do espectador. Mas é aí que Bandersnatch dá  pulo do gato!

Stephen acha que é ele quem é o senhor das suas escolhas, quando na verdade somos nós, mas numa outra reviravolta percebemos que nós também caímos nessa armadilha e que não importa o que façamos, Bandersnatch terá o final que há de ter a despeito das nossas tentativas de mudar isso. David Slade ilude tanto seu protagonista quanto nós e faz conosco exatamente o que faz em tela. Não importa o que Stephen faça, nem o que você escolher. O livre arbítrio dele e o seu são puras ilusões. Foi justamente esta metalinguagem sem precedentes no entretenimento audiovisual que me conquistou em Bandernsatch. Como primeiro exemplar do gênero obviamente não é perfeito. É algo a ser explorado, refinado e melhorado que, mesmo assim, já é um excelente primeiro passo.

O entretenimento mudou e a Netflix segue capitaneando esta nova tendencia no consumo de conteúdo. É bem verdade que Tia Cremilda cansou depois do primeiro final que chegou. Por mais que ela tenha tentado evitar, ferrar tanto a vida daquele menino magrinho foi demais para ela. Entretanto, te fazer ficar grudado numa tela por horas a fio, te dando a perfeita ilusão de participar de algo que está muito além do seu controle gera uma discussão muito interessante sobre nossa relação com as mídias que consumimos e até que ponto somos nós donos de nossas escolhas. Seja como for, digam o que quiserem, mas a conclusão óbvia é que, sim, Bandersnatch é muuuuuito Black Mirror!

Coeficiente de Rendimento: 4,0/5

Comentários via Facebook

1 comentários:

  1. Olá Hugo!!!
    Assistir/Joguei Bandersnatch e também passei cerca de três horas com meus amigos tentando encontrar um dos finais feitos e considerados fim da Netflix.
    De certa forma eu gostei de assistir/jogar, pois foi algo engraçado principalmente uma cena em si rsrsrs
    Adorei a sua crítica acerca do filme!!!

    lereliterario.blogspot.com

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